Seu super poder como designer

Vamos admitir: type designers não sobreviveriam por muito tempo num mundo pós apocalipse zumbi. Mas, e até lá?

Nossa habilidade de detectar um par de kerning faltando na página de um livro não traria nenhuma vantagem para a preservação da espécie humana. Nós desenhamos círculos que não são perfeitos (para que pareçam corretos) e os deixamos maiores do que os quadrados logo ao lado (para que pareçam alinhados). Que super poder é esse? E não se trata de uma novidade contemporânea, fruto da hiper especialização das profissões. Quando os Romanos esculpiam suas letras no alto dos prédios, eles se atentavam para fazer com que as letras nas linhas superiores fossem um pouco maiores do que aquelas nas linhas de baixo. Olhando do chão, as linhas superiores ficam um pouco mais distantes do nosso olhar e, para que pareçam ter o mesmo tamanho, precisam ser um pouquinho maiores. E eles faziam isso tudo lapidando em pedra, sem Ctrl + Z. Deve ser importante.

Nossa designer Ana Laydner nos contou, frustrada, que não conseguiu dizer à sua costureira que o bolso da calça não ficou retinho como deveria. “Eu não consegui reclamar porque era pouca coisa. As outras pessoas não entendem isso, mas que está um pouquinho torto, ah está!”, ela conta, resignada, recebendo a empatia de todos nós.

Ainda na área da costura, você sabe diferenciar um terno caro de um barato? O canto da manga é um pouco arredondado? A textura dos botões varia um pouco ou é idêntica? Como é o acabamento do buraco dos botões? Sim, do buraco dos botões. Até o final do século XVIII, as roupas eram cheias de adornos espalhafatosos e homens usavam até perucas para demonstrar seu status social. Com a Revolução Francesa, começou a pegar mal ser associado à corte e a realeza, então Beau Brummel popularizou um estilo simplificado que deu origem ao terno. Os ricos poderiam se reconhecer pelos detalhes sutis de suas roupas, sem chamar a atenção dos demais.

Um estudo¹ demonstrou que o preço dos carros da Mercedez-Benz aumenta de forma inversa ao tamanho da marca exibida no capô. Precisamente, seus clientes pagam 5 mil dólares a mais por cada centímetro a menos da marca aparecendo. Há um efeito similar com bolsas de luxo.

Eu quero acreditar que há mais valor nos detalhes do que a competição velada de que alguns são mais afortunados que outros. Quando nos debruçamos por horas em uma letra, há um nível de refinamento que somente é possível com hiper foco e tempo. Não há atalho. Investimos nosso tempo de vida ali.

Certa vez um designer da Pentagram me escreveu: “Eu consigo ver os anos de experiência no desenho destas tipografias”. Ele percebeu o que podem ser considerados detalhes. Quando vemos uma obra de arte famosa (pode ser uma estátua de mármore ou uma série de TV), o que experimentamos é a soma de uma série de decisões tomadas e, quanto mais cada uma foi pensada, mais a apreciamos. Nos fascinamos navegando por cada detalhe; assistimos pela segunda ou terceira vez, sempre descobrindo algo novo. Uma experiência mais rica para quem tem a disposição de encontrá-la, porque também tem o poder de criá-la.

Fabio Haag

¹ Signaling Status with Luxury Goods: The Role of Brand Prominence, 2010. Young Jee Han, Joseph C. Nunes e Xavier Drèze, 2010.