O dia em que a equipe da Beyoncé baixou nossa fonte

Existe um tipo de email que faz um som de notificação diferente quando cai na minha caixa de entrada. Meu cérebro dispara uma pequena dose de dopamina e eu paro o que estiver fazendo para ir lá olhar. Isso vai contra qualquer hábito de produtividade pois me distrai, em média, 3 vezes por dia. Mas, o que eu posso fazer? Aquele som anuncia que alguém, em algum lugar do mundo, gostou de uma fonte nossa. (Olha mãe!) Além disso, após um pequeno esforço para se registrar, ela baixou e irá instalar nossa fonte em seu computador para testar em algum projeto. O que será que vai ser? Quem é essa pessoa? Como ela nos descobriu? São tantas emoções.

Certo dia, alguém da Pentagram baixou uma fonte nossa. Poucos minutos depois, baixou outra. Em menos de 10 minutos este designer havia baixado todas as nossas fontes. Que estavam, agora, em, computadores, na, Pentagram. O excesso de virgulas é para compensar a falta de adjetivos hiperbólicos apropriados para a ocasião.

Parei tudo e escrevi um email para ele. Revisei 3 ou 4 vezes antes de enviar. Note que a emoção positiva se transforma facilmente em ansiedade. No dia seguinte, ele respondeu e trocamos alguns emails gentis. Nossas fontes não se encaixaram no projeto atual dele, porém, estávamos agora listados como uma foundry legal em uma planilha compartilhada internamente na Pentagram.

Ah, mas você está aqui pela Beyoncé, certo? Eu nunca vou me esquecer: 2 de Março de 2017, pedido #876, de *******[email protected].

Depois de uns 30 minutos redigindo o email perfeito para o designer, fiquei impressionado com a velocidade da resposta. Quase imediata: “Delivery has failed. The email address you entered couldn’t be found.” Revisei, letra por letra, e o endereço estava correto. Se você se sentiu traído agora, saiba que eu também.

É um voto de confiança disponibilizar nossas fontes para download, sem custo algum. Diferente de outras foundries, nossas fontes de teste são completas; todas as letras, acentos e pontuação estão lá. Fazemos isso por acreditar que o nosso trabalho é facilitar a vida do designer. E que a melhor forma de avaliar uma fonte é utilizando ela na prática.

Eu já fui um pirata. Nasci em 1981 e fui adolescente na época da internet discada. Vi de perto o surgimento dos torrents quando ainda eram necessários vários dias para baixar um filme. Tudo começou a mudar (de forma extremamente egoísta) quando comecei a desenhar fontes digitais. Centenas de horas de trabalho comprimidas em arquivos menores que 1 Mb, tão fáceis de se espalhar online. Em poucos dias, qualquer lançamento meu podia ser encontrado em sites piratas. Eu discutia isso em comunidades do Orkut. Acreditem, a sensação não é legal. Comecei a legalizar aos poucos as minhas músicas pela loja da Apple. Parte de mim achava aquilo um desperdício de dinheiro, mas outra parte sabia que era o certo. Depois, meu irmão começou a trabalhar com games. (Ficou grandão até; te amo bro). Ao conhecer melhor o quão complexo é fazer qualquer jogo — imaginar, planejar, desenhar, programar, testar e depois voltar ao início — parei de baixar jogos pirata. Pagar por produtos digitais é valorizar o esforço de todas as pessoas envolvidas. Eu e o meu filho Vítor, de 10 anos, adoramos ler os nomes das pessoas que aparecem ao final de um filme: “Olha, a Molly Craytor fez a maquiagem! O Mat Beck participou dos efeitos especiais… Olha quanta gente fez o som!”. Ficamos imaginando a família destas pessoas, reunidas nas suas salas assistindo ao filme junto com aqueles que participaram. Que momento deve ser esse! Cada pessoa ali foi importante.

Somos uma foundry pequena. Gostamos de ter uma relação próxima com cada cliente. Eu sempre soube que haveriam pessoas que utilizariam nossas fontes sem pagar. Que elas seriam engraçadinhas na hora de fornecer seus dados falsos foi uma surpresa, mas, sinceramente, não perderei meu tempo com elas. Já tomei cafés virtuais com pessoas que baixaram nossas fontes (e forneceram emails válidos) aqui do Brasil, da Suíça e da Califórnia. Estas conversas interessantíssimas duraram mais de uma hora aproximando quem faz fontes de quem as utiliza. Saio delas com a confiança renovada de que estamos no caminho certo, todas as vezes.

Quem sabe algum dia a equipe de verdade da Beyoncé aparece. Pagar por música, eu pago.